Gilberto Gil, Aquele Abraço!

agosto 25, 2008

Gilberto Gil: a voz tropicalista por uma cultura digital aberta.

Tradução do post do fera José Murilo. Veja o post original.

Gilberto Gil deixou o Ministério da Cultura do Brasil. Ele diz que a música o chamou de volta.

Uma rápida olhada nas reações que apareceram esta semana nas manchetes da imprensa brasileira mostra que ela fala de um ministro-cantor que fez um trabalho passável em usar seu capital social para ampliar as ações do ministério em canais internacionais. O trabalho de Gil foi visto apenas como mais um dos ‘truques populistas’ de Lula para angariar apoio a si mesmo.

O aparente tom condescendente dos comentários e análises da mídia brasileira sobre o desempenho de Gil como Ministro não são absolutamente uma surpresa. Durante seu mandato, os canais de notícias basicamente ignoraram ou ridicularizaram algumas coberturas internacionais importantes tais como o artigo de 2004 da revista Wired, relatando a consciência acima da média sobre a importância da abertura entre os princípios da revolução digital.

Ele foi ridicularizado, realmente, em agosto de 2004 durante uma aula inaugural na Universidade de São Paulo (USP) quando declarou:

“Eu, Gilberto Gil, cidadão brasileiro e cidadão do mundo, Ministro da Cultura do Brasil, trabalho na música, no ministério e em todas as dimensões de minha existência, sob a inspiração da ética hacker, e preocupado com as questões que o meu mundo e o meu tempo me colocam, como a questão da inclusão digital, a questão do software livre e a questão da regulação e do desenvolvimento da produção e da difusão de conteúdos audiovisuais, por qualquer meio, para qualquer fim.”

Até aquele momento, havia um debate altamente carregado sobre a proposta do time de Gil em criar a (ANCINAV) (Agência Nacional do Cinema e Audiovisual) para ‘lidar o audiovisual como uma economia integrada e convergente, seguindo a evolução de novas plataformas tecnológicas‘. A poderosa mídia e as redes de TV foram rápidas e violentas na reação.

‘Xenófobo, autoritário, Estalinista, igual a Chavez e de estilo soviético’ foram xingamentos que Gil teve de aturar. Naquele tempo, Juca Ferreira — o sociólogo designado por Gil para ser seu sucessor como chefe do Ministério — conseguiu esclarecer o contexto que indicava a necessidade de uma agência reguladora no Brasil:

“No setor audiovisual, o cenário econômico é de reordenamento e aumento da concentração. Grandes companhias, com tradição restrita na prestação de serviços de telecomunicação hoje fagocitam empresas de cinema, comunicação, jornalismo e entretenimento, formando conglomerados interessados em ocupar novos mercados nacionais. São megaempresas que se aliam a seus Estados ricos de origem, ou a seus Estados pobres de destino, e atuam politicamente para derrubar o que elas chamam de barreiras. Lutam, em seus países, para flexibilizar leis anti-verticalização. Faz todo sentido… E é preciso que se diga, isso é feito por intermédio de burocracias de Estado, altamente competentes e aguerridas, que utilizam para isso todos os recursos que dispõem.”
Juca Ferreira em ‘Brasileiros debatem a regulação e a convergência da mídia’Global Voices Online

Googlar por conteúdo em Inglês sobre ANCINAV nos leva a um artigo protegido que permite leitura suficiente para entender a corrente e reconhecer o estilo de ataque. “A Motion Picture Association of America – Associação de Cinema da América (MPAA) ameaçou o Brasil com retaliação comercial se o governo continuasse com seus planos de criar a ANCINAV…”
Em meio `a artilharia pesada, e apesar de já estar compromissado na criação da agência, Lula sentiu a pressão e recuou, pedindo a Gil que continuasse a estudar alternativas.

Tudo isso aconteceu durante os primeiros meses de Gilberto Gil como Ministro, e ele aprendeu muito com o episódio ANCINAV. As metas continuaram as mesmas, mas a estratégia teve de ser reformulada.

Lessig com Gil @ WSF05 em Porto Alegre:

É assim que a democracia se mostra?

Talvez se chamar de hacker enquanto estava sendo atacado como ‘estalinista’ pela mídia local justo na ocasião de sua primeira empreitada como Ministro tenha sido a grande abertura da Tropicália vibração do movimento do seu pódio no governo.

A perspectiva tropicalista visionária é um legado do final dos anos 60 quando Gil e seu grupo estava descobrindo uma nova audiência global e experimentando com todo o tipo de fusões culturais. Pela primeira vez houve o reconhecimento de que os mesmos pulsos de modernidade estavam soando nas guitarras elétricas cosmopolitas do exterior e em grupos regionais do interior do nordeste brasileiro. A vontade de comunicar e misturar culturas foi a chave para o que veio a ser conhecido como tropicalismo.

O foco de Gil na ética aberta dos hackers para a cultura digital de hoje, quarenta anos depois, foi fundamental para uma mistura similar de culturas, parceiros, ritmos, códigos e complexidades. De sua própria maneira, ele conseguiu introduzir criativamente novas camadas e nuances conceituais ao seu discurso político, daí abrindo novo campo para o debate político sobre a cultura de massa, o mercado, a tecnologia, as tensões entre o contemporâneo e o tradicional, a regulamentação da propriedade intelectual, e mais.

Naquele momento, as sementes do que iria se transformar em alguns dos mais importantes projetos do mandato de Gil foram lançadas ao vento. Havia o empurrão pioneiro de trazer as licenças Creative Commons para o Brasil, que foram mostradas como um dos primeiros movimentos de Gil em direção ao processo de revisar as leis de direitos autorais brasileiras. Os frutos de tal debate foram com certeza refletidos na recente posição rígida (e bem sucedida) do Brasil na WIPO — the World Intellectual Property Association – Associação Mundial de Propriedade Intelectual, e na realização do Fórum Nacional para debater revisões na lei de direitos autorais, que está agora em andamento.

Outro movimento significante veio do engajamento de Gil em trazer de volta `a vida a Convenção da Diversidade Cultural da UNESCO. Enquanto opositores a chamaram com veemência de tratado “profundamente falho”, altamente protecionista, e uma ameaça `a liberdade de expressão, Gil trabalhou na possibilidade de que a iniciativa poderia resultar em um contraponto `a regulação da Organização Mundial do Comércio (WTO) em momentos de decisão sobre conflitos entre comércio e cultura. Em junho de 2007 o Ministério da Cultura promoveu um Seminário Internacional para debater implementações e ferramentas práticas para ativar os poderes da convenção em cada país.

O lançamento dos primeiros Pontos de Cultura como um programa concreto e uma vitrine da visão de Gil para a cultura digital foi amplamente reconhecido como uma grande idéia em termos de política cultural. Tudo começa com a seleção de um projeto, um processo cultural existente desenvolvido por grupos tais como tribos indígenas, grupos culturais em favelas, centros acadêmicos de universidades, ou similares. A “arquitetura” de um ponto de cultura é de estrutura simples e amplamente inovadora. Ele é criado com uma conexão de banda larga, infra-estrutura feita de equipamentos reciclados e, mais importante, com oficinas técnicas em software open source (de código aberto) de edição de áudio e vídeo, permitindo que grupos culturais digitalizem e publiquem sua criatividade dentro de licenças alternativas. O projeto mistura (1) software livre, (2) conceitos avançados de direitos autorais e (3) uma consciência de que a apropriação da tecnologia pelo povo é um movimento social emergente que apóia a dinâmica generativa da era digital. De acordo com Gil:

“É preciso recentralizar o que está centralizado nas mãos de poucos. As matrizes da indústria cultural não deixaram nada para as periferias. Por isso, hoje, o papel do Estado brasileiro na formulação de políticas públicas é empoderar as micro manifestações, para que eles se apropriem cada vez mais dos espaços públicos e que sejam protagonistas na proteção e promoção da diversidade.”
[Pt] Brasil lidera os países americanos nas politicas para as expressões artisticas – o Abismal

A única reclamação feita por Gilberto Gil no dia em que apresentou sua saída ao Presidente Lula foi em relação ao baixo orçamento do seu Ministério. Enquanto os críticos de Gil, a partir de posições diferentes, geralmente falam de boas idéias sendo pobremente implantadas, no site da gigante Rede Globo — que costuma representar o Ministro Gil como uma caricatura esotérica gaga e nonsense — 53% dos leitores votaram ‘terrível’ ao julgar sua gestão. Suas realizações encararam muita hostilidade.

Entretanto, a avaliação final que ainda está por ser feita sobre a gestão de Gilberto Gil no leme do Ministério da Cultura é se suas realizações são o bastante para nos levar a acreditar que a cultura pode ser vista como um local para o ativismo e a mudança progressiva da sociedade global ligada em rede.

Como consegue tocar com parceiros musicais totalmente diferentes musical parceiros, em qualquer lugar, sob todas as condições, Gil parece incorporar o ‘uso da cultura’ como uma ferramenta de comunicação que tanto permite quanto convida ampla participação. O convite para o exercício cultural é encontrado na vibração tropicalista de seus discursos sobre cultura digital:

Atuar na cultura digital é a concretização desta filosofia, que abre espaços para redefinir a forma e o conteúdo das políticas culturais, e transforma o Ministério da Cultura… Cultura digital é um novo conceito. Ele vem da idéia de que a revolução da tecnologia digital é cultural em sua essência. O que está em questão aqui é que o uso da tecnologia digital muda comportamentos. O uso comum da internet e do software livre cria possibilidades fantásticas para democratizar o acesso `a informação e ao conhecimento, para maximizar o potencial dos produtos e serviços culturais, para ampliar os valores que formam nossos textos comuns, e portanto, nossa cultura, e também para potencializar a produção cultural, gerando novas formas de arte.

Em discurso recente, o Ministro Gilberto Gil afirmou que iniciativas de Cultura Digital apresentam um instrumento revolucionário interno, e são capazes de assumir papel fundamental em desbancar a inércia de políticas tradicionais que têm excluído grande parte da sociedade da vida pública. Ele falou sobre um descontentamento de cima abaixo acontecendo em todos os lugares, que ele vê como um sinal muito positivo da emergência de um movimento político não-governamental que ele acredita ser um resultado direto e evoluído de forças culturais e não-culturais que têm aumentado sua habilidade de influenciar políticas públicas. Ele falou sobre ‘Peer-acy‘ [Peeracy em inglês brinca com a palavra Piracy – Pirataria; o novo termo é entre pares, amigos ou iguais – Peers].

Para aqueles de nós que trabalharam com ele, a perda é grande. Para ele, acredito que será ótimo se sentir livre novamente para se dedicar `a música. E uma coisa é certa: a gestão tropicalista de Gilberto Gil transformou o Ministério da Cultura.

Os tons e ritmos de sua liderança continuarão vivendo.

Aqui uma entrevista interessante com Gilberto Gil @ YouTube


Ayahuasca Patrimônio Cultural

maio 2, 2008

caricatura do Ministro Cantor GurúO ministro da Cultura, Gilberto Gil, vai encaminhar ao Iphan (Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional) um pedido de reconhecimento do uso do chá ayahuasca em rituais religiosos como patrimônio imaterial da cultura brasileira.

Agora ele prova, mais uma vez, que é o gurú do Brasil.  Leia mais